Tivi São Lourenço, 02 de maio de 2025
Segurança

Menina com paralisia facial passa por técnica inovadora para transplante de nervo: 'Que ela possa sorrir', diz mãe

Maria Clara, de 4 anos, mora no Paraná, tem o lado direito da face paralisado por conta de condição congênita. Médico explica que técnica recuperará três principais funções do rosto da paciente.

Por G1/PR

Atualizado em 01/09/2023 | 14:32:00

Aos quatro anos, Maria Clara Chanan Marchiori passa por uma técnica inovadora no país para transplante de nervo e músculos da face. O procedimento é feito pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e é composto por três etapas cirúrgicas.

Natural de Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba, a menina nasceu com agenesia do 7º par craniano, ou seja, o nervo da face não se desenvolveu. Ele é responsável, por exemplo, por controlar funções como mastigação, sorriso e piscar dos olhos.

Com a condição rara, Maria Clara tem o lado direito da face paralisado. Agora, a cirurgia representa esperança para a família, como relata a mãe, Keisse Chanan.

O que mais quero é que ela possa sorrir, não tenha vergonha de sorrir, que seja natural, espontâneo. É um sonho. [Vê-la sorrir] foi a realização de um sonho
— afirma a mãe.
De acordo com Keisse, em maio Maria Clara foi submetida à primeira das três etapas. A mãe conta que, com o procedimento inicial, notou mudanças na mobilidade do rosto da filha.

"O rosto era bem mais preso antes, bem mais paralisado e, com as primeiras cirurgias, a gente já sentiu resultado, ali já soltou pouquinho mais", relata.

Procedimento inovador

O cirurgião plástico e microcirurgião Chang Yung Chia, responsável pelo tratamento da criança, explica que o nervo que comanda os músculos do rosto é o nervo facial, que sai de dentro do crânio e se divide em vários ramos, que também são chamados de nervos. 

Por conta da ausência de nervos, os músculos não são formados ou passam a degenerar e atrofiar, como explica Dr. Chang.

O procedimento pelo qual Maria Clara está sendo submetida é considerado inovador.

O médico explica que, em casos como esse, o mais simples é a substituição do nervo por outro que não seja facial. Porém, de acordo com ele, o resultado é inferior ao desejado, isto porque o nervo continuará cumprindo a função original dele.

"O outro nervo vai fazer o músculo contrair, mas o comando é diferente. Vou dar um exemplo: tem um nervo de mastigação, que pode ser usado para substituir o facial, só que não tem nenhuma espontaneidade, ou seja, para a pessoa sorrir, precisa pensar em morder, porque aquele nervo é para morder. Essa técnica é uma boa técnica, mas não é a técnica ideal", explica.

A estratégia aplicada por Dr. Chang para Maria Clara envolve a "ponte" entre o nervos do lado ativo, para o lado afetado. A técnica, criada nos Estados Unidos, é conhecida como "cross-face", ou "trans-facial".

A inovação na aplicação do método, segundo o médico, é que a cirurgia geralmente é feita para recuperar o sorriso do paciente. Porém, em Maria Clara, serão recuperadas três funções da face.

"Geralmente você usa um nervo só para recuperar o sorriso e a gente tá passando cinco nervos. Um para a pálpebra superior, um para a inferior – então dois para os olhos–, um nervo para o sorriso e mais dois nervos, um para lábio superior e outro pro lábio inferior.
"Ao invés de recuperar somente um movimento, a gente está recuperando cinco músculos para função da pálpebra, do lábio e mais o sorriso: as três principais funções da face", esclarece o microcirurgião.

Dr. Chang explica ainda que inicialmente é feito o transplante dos nervos e há uma espera de cerca de quatro a seis meses, para que seja feito o transplante dos músculos.

"O músculo tem que receber estímulo do nervo imediatamente após o transplante. Por isso, se faz transplante de nervos primeiro, espera-se o crescimento dos axônios nesses nervos até outro lado da face, que leva de quatro a seis meses, e, quando o crescimento atingir o lado paralisado, transplanta-se o músculo e já liga este com a ponte do nervo transplantado previamente", detalha.

Dificuldades no cotidiano
De acordo com a mãe da paciente, a paralisia implica uma série de dificuldades no cotidiano da criança. Maria Clara tem dificuldades para fazer a mastigação, tem impactos na saúde do olho, uma vez que ele não o fecha completamente, e super audição, por exemplo.

Além disso, Keisse lembra ainda a questão da autoestima e episódios de bullying que a filha passou por conta da condição.

Especificidade do tratamento

A mãe relembra que a agenesia do 7º par craniano foi diagnosticada quando Maria Clara ainda era um bebê de 1 mês de idade.

Com isso, iniciou uma jornada repleta de dificuldades para encontrar o profissional adequado para o tratamento da criança.

"Por ser uma condição muito rara, os médicos não sabiam exatamente o que ela poderia causar ou o que poderia acontecer. A gente começou a pesquisar em vários médicos para entender um pouco mais, e nenhum médico tinha um diagnóstico 100% para a gente", relembra.

Keisse conta que a família foi em busca de tratamentos como fisioterapia e fonoaudiologia, mas que não eram específicos para o caso de paralisia facial infantil, até o momento em que a criança ganhou alta das terapias.

"Os médicos falavam que não tinha o que fazer, que a gente vai precisar conviver com essa paralisia. A gente vem nessa batalha assim desde que ela nasceu, buscando algum tratamento mais efetivo, mas não encontrava", afirma.

Em 2023, então, um amigo da família encaminhou à Keisse uma notícia sobre uma cirurgia feita nos Estados Unidos em uma criança com paralisia facial. Enquanto lia o material, a mãe identificou um médico brasileiro entre os profissionais envolvidos, o Dr. Chang.

Ela relembra que imediatamente enviou mensagens para as redes sociais do cirurgião, que atende no Rio de Janeiro, e ele a orientou marcar uma consulta presencial.

"Ele analisou os exames dela e ele disse que sim, que dava pra fazer tratamento com ela, que seria uma sequência de cirurgias", conta.

O encontro resultou em alívio para a família.

"Foi maravilhoso, porque a gente estava procurando uma solução desde que ela nasceu: algum médico específico, algum tipo de tratamento... Quando eu conheci o Dr. Chang, ele abriu as portas para a gente e nos recebeu. Eu fiquei muito feliz de ter encontrado ele e toda a equipe dele", comemora.

Ajudar outras famílias

Keisse conta que a dificuldade de acesso para a incentivou a falar abertamente sobre a condição de Maria Clara nas redes sociais. O objetivo, segundo ela, é ajudar outras famílias que passam por situações semelhantes e o resultado tem sido positivo.

"Eu questionei diversas vezes, sabe? Mas hoje eu vejo que a gente é só um instrumento pra ajudar outras famílias. Hoje eu sei qual é o nosso propósito, que é ajudar outras famílias, divulgar, facilitar o caminho pra outras pessoas. Divulgar que existe sim tratamento, divulgar que existe sim, uma forma de melhorar", afirmou.

Desde então, outras duas famílias com crianças com paralisia cerebral foram encaminhadas ao centro de atendimento onde Dr. Chang atua.

Dr. Chang é responsável pelo Centro de Paralisia Facial do Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE), uma unidade do Ministério da Saúde na cidade do Rio de Janeiro.

Ele explica que a condição é uma urgência médica e requer tratamento imediato, para reduzir as chances de sequelas para os pacientes. Porém, de acordo com ele, a paralisia facial ainda é pouco compreendida, inclusive por profissionais da saúde.

Ele explica que os cirurgiões do HFSE aprimoram e desenvolvem técnicas para o tratamento da paralisia facial e os resultados são publicados em revistas internacionais especializadas, com o objetivo de disseminação do conhecimento na comunidade médico-científica.

"O que a gente está tentando fazer é uma continuação, uma educação continuada para os médicos saberem lidar com isso", afirma.

 

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