Justiça anulou processos de condenados pelo crime em novembro deste ano. Fitas mostram que investigados receberam ordens para confessar crimes que não cometeram. g1 aguarda retorno do MP.
O Ministério Público do Paraná (MP-PR) recorreu da anulação dos processos dos quatro condenados pela morte do menino Evandro Ramos Caetano, crime que ficou conhecido como o Caso Evandro.
O pedido foi apresentado na última quarta-feira (12), ao Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR).
Em novembro, desembargadores da 1ª Câmara Criminal do tribunal concordaram, por maioria de votos, com a revisão criminal dos condenados, medida que serve para reabrir um caso.
Na ocasião, os desembargadores julgaram áudios que mostram os quatro condenados recebendo ordens para confessar crimes que, segundo eles, não cometeram. Os materiais estavam em fitas que se tornaram públicas em 2020 no podcast Projeto Humanos, do jornalista Ivan Mizanzuk.
A revisão criminal foi aprovada por 3 votos a 2. Com isso, o TJ-PR anulou o processo que envolvia Beatriz Abagge, Davi dos Santos Soares, Osvaldo Marcineiro e Vicente de Paula Ferreira – falecido em 2011, no presídio.
A Corte também entendeu que os então condenados foram torturados para fazerem falsas confissões, além de reconhecer outras falhas no processo.
O g1 aguarda retorno do Ministério Público para comentar o caso.
O que argumenta o MP
O recurso do MP foi apresentado pela promotora Maria Angela Camargo Kiszka.
Na avaliação dela, há "omissões, contradições e obscuridades" na revisão criminal que resultou na anulação dos processos. Ela argumenta, inclusive, que não caberia esta medida nos processos em questão.
Para a promotora, o Ministério Público não participou de partes cruciais das movimentações que levaram à revisão, como, por exemplo, quando as fitas foram juntadas ao processo junto a um parecer técnico que atestava a veracidade do material.
"Ocorre que tais pareceres foram elaborados sem qualquer participação do Ministério Público, ou seja, foi usurpada da instituição a possibilidade de elaborar quesitos, indicar assistência técnica, elaborar laudos e apresentar quaisquer outros documentos."
A promotora sustenta, ainda, que para que "gravações, matérias jornalísticas, pareceres técnicos e declarações unilaterais deixem de ser indícios" e passem a ter valor de prova "é necessário que sejam produzidas mediante ação de justificação ou produção antecipada de provas que permitam ao Ministério Público exercer o contraditório".
Em resumo, a promotora questiona o Tribunal de Justiça sobre:
razões pelas quais aceitou a revisão criminal;
por que entendeu pertinente a revisão sem submeter elementos ao contraditório;
como valida a revisão com reexame de provas que já tinham sido avalias em juízo;
por que desconsideraram o o acordão da 2ª Câmara Criminal que já tinha mantido as condenações.
Em nota, o escritório Figueiredo Bastos, que defende os ex-condenados, criticou o MP.
"Ao invés de reconhecer os erros do passado e passá-los a limpo, como fez o Procurador de Justiça Silvio Couto Neto no julgamento da revisão criminal, o Ministério Público do Estado do Paraná insiste em repetir a farsa, os abusos e as arbitrariedades que há mais de 30 anos vêm sendo chanceladas por eles mesmos."
Quando a revisão criminal foi aprovada, os ex-condenados disseram que iam pedir indenização na Justiça.
O pedido de revisão criminal foi apresentado em 2021. Na época, pareceres técnicos apontavam que houve violência física durante os depoimentos.
Em agosto de 2023, a 1ª Câmara Criminal aceitou o uso dos áudios completos como prova. As fitas estavam no processo desde o início, mas para o trâmite, foram usados trechos editados que mostravam apenas a confissão, suprimindo as torturas.
Em 9 de novembro deste ano, os desembargadores Gamaliel Seme Scaff, Adalberto Xisto Pereira e o desembargador substituto, juiz Sergio Luiz Patitucci, votaram a favor entendendo que os condenados foram torturados para fazerem uma falsa confissão.
Os magistrados chegaram a essa conclusão justamente por conta das fitas reveladas.
"Em nenhum momento que eles confessaram em juízo a prática do crime. Eles só confessaram na fase pré-processual, na fase do inquérito policial. E assim mesmo, só depois da tortura. Depois, se lá na frente, vier a conversar, tem a fita que aparecem confessando, já tinham sido torturados. Estavam presos. Já estavam com medo", defendeu Xisto Pereira.
O desembargador Patitucci corroborou, e disse que todas as provas obtidas "foram decorrentes de tortura".
Na sessão, os desembargadores Miguel Kfouri Neto e Lidia Maejima votaram contra por entenderem que as fitas precisariam ter passado por perícia.
Quem eram os acusados
Sete pessoas foram acusadas de envolvimento no assassinato de Evandro:
Airton Bardelli dos Santos
Francisco Sérgio Cristofolini
Vicente de Paula
Osvaldo Marcineiro
Davi dos Santos Soares
Celina Abagge
Beatriz Abagge
O caso teve cinco julgamentos. No último, em 2011, Beatriz Abagge foi condenada a 21 anos de prisão. Celina, mãe dela, não foi julgada por tinha mais de 60 anos e o crime prescreveu.
As penas de Osvaldo Marcineiro e Davi dos Santos se extinguiram porque eles haviam permanecido presos por força de decisões anteriores. Vicente de Paula, outro réu, morreu de câncer no presídio.
Francisco Sérgio Cristofolini e Airton Bardelli foram absolvidos em 2005.
Desaparecimento de Evandro
O menino Evandro desapareceu em 6 de abril de 1992. À época, o Paraná vivia o desaparecimento de diversas crianças na região.
Segundo a investigação, ele estava com a mãe, Maria Caetano, funcionária de uma escola municipal de Guaratuba, e disse a ela que iria voltar para casa após perceber que havia esquecido o mini-game. Depois disso ele nunca mais foi visto.
Após um corpo ser encontrado em um matagal, no dia 11 de abril de 1992, o pai de Evandro, Ademir Caetano, afirmou à época no Instituto Médico-Legal (IML) de Paranaguá ter reconhecido o filho, por meio de uma pequena marca de nascença nas costas.
Vítima conduzia um Prisma e seguia para o Exército no Paraná quando sofreu o acidente.
Ela alegou legítima defesa porque foi atacada com um facão pelo homem.
Mãe foi encontrada com marcas de violência dentro de casa.
Vítima de 25 anos foi encontrada sem vida por um vizinho, que acionou a polícia.
Menino de 7 anos foi encaminhado de helicóptero ao hospital de Chapecó.
Entre as vítimas estão jovens de 19 e 20 anos, segundo a PRF.